Era uma tarde de sábado e em um costumeiro encontro do grupo de apoio entre pacientes e familiares sobre qualidade de vida de portadores de câncer, e o que era para ser um dia de aprendizado, passou também a ser uma deliciosa oportunidade de aproximação com pessoas novas e novas ideias e reflexões.
O diagnóstico da doença, vem sempre acompanhado de uma sobrecarga de estresse inigualável. Doença bastante democrática, atinge as diversas classes sociais, gêneros e idade, mas dentro de um universo de diferenças e individualidades todos temos em comum o aspecto emocional, as preocupações e nossos hábitos, dentre estes o que mais se destaca na esteira de culpabilidade: a alimentação.
Durante nossa conversa os pensamentos negativos que surgem diariamente e se amplificam desde o dia 1 do diagnóstico de uma doença afloraram e, o que parecia ser sobre alimentação nos direcionou para outro ponto, as emoções, a ansiedade e as neuroses vinculadas à doença e ao ato de comer.
Diante da enxurrada de perguntas e da mais poderosa doença da vida moderna, me vi de frente a algo ainda mais importante e muitas vezes velado, o peso oculto mergulhado nas profundezas de nós mesmos, a sobrecarga dos nossos pensamentos.
Naquele momento, enganou-se quem pensou que limitaria a falar sobre a alimentação; a avalanche de perguntas sobre o assunto fez transparecer um outro aspecto da doença, lançou luz à ansiedade por respostas, desvelou e traduziu com maestria a frase inicial deste texto; um dos maiores fatores de risco para a vida do paciente, os seus pensamentos e o estresse vinculado a ele.
Todos os pensamentos e sentimentos que sobrecarregam ainda mais o corpo aumentam nosso estresse, os poluentes e agentes químicos a que somos expostos no ambiente, o estado emocional e pensamento inconsciente, dá voz ao medo e ansiedade e são agressores de diversas vertentes que alimentam um único processo, um poderoso ciclo vicioso retroalimentado que descarrega e imprime no corpo o estresse oxidativo e metabólico, que gera radicais livres amplificando a doença, deleta nossos estoques de energia, nutrientes e de defesa imunológica, “desnutri” ainda mais nossos sentimentos refletindo em mais medo, dor, ansiedade e paralisação física.
Iniciamos um complexo momento de terapia emocional, lançando mão das ferramentas disponíveis na prática da psicanálise e de reprocessamento-trg, resgatamos eventos e sensações vinculadas dentro de cada um e refletimos sobre suas impressões no mundo atual alimentar, nossa tentativa era caminhar numa estrada de significados, processando, reestruturando entendendo e aceitando nossos motivos primários, que ao virem à tona geravam um amplo espectro de sensações, de tristeza a comédia e conforto, mas indubitavelmente, ao saírem do profundo inconsciente e ganharem a voz de cada paciente, traziam clareza, tranquilidade e compreensão.
O ato de falar e vincular aspectos alimentares à sensações, tornava curiosa a reflexão e conexão mental de cada uma das pessoas frente sua força na jornada de luta contra a doença. Não apenas conversar, mas reprocessar tornou possível permitir-se comer sem culpa, praticar uma edição dos pensamentos sem cair na loucura da busca frenética de informações desconexas, muitas delas mirabolantes e ainda mais estressantes para o doente.
Obviamente as medidas médicas existentes são poderosas armas no combate à doença, todavia podemos com medidas simples, ajudar a combater o desenvolvimento e progressão desta doença. Atitudes como a respiração, relaxamento, uma noite de sono, bons hábitos higiênicos, escolha de produtos menos nocivos e a prática de atividade física são medidas simples, não fáceis, mas eficientes no controle do desenvolvimento do câncer.
Aliado a estas medidas temos na alimentação, uma infinidade de fatores muito estudados que geram respostas, dúvidas, suscitam milagres, mas também desencadeiam as neuroses e o estresse.
São incontáveis os parâmetros a serem levados em conta, da fisiologia teórica à prática clínica, são muitas as probabilidades de combinação dos fatores que compõe uma estratégia alimentar. Portanto, não é por desmerecimento ou falta de transparência, mas por cuidado principal que passei a orientar, e que está acima de toda a ciência da nutrição, livrar-se do mal do “excesso de consciência”, da busca incessante por informação [nutricional], do que “pensar racionalmente” pode causar.
Sessão após sessão, aumentava-se a nuvem densa que pairava sobre o grupo, carregada de informações ela estava acima de nós, mas fora do corpo do doente, liberada de seu âmago, compondo apenas um ambiente de informações e, era agora, de caráter comum, sob aspecto consciente e acessível como aprendizado social daquele grupo de apoio.
Durante nossas sessões terapêuticas um modelo tornou-se claro, adquirir conhecimento era importante, mas permitir-se ser ajudado; olhar para dentro e para fora, para o outro sem comparação, livre de (auto) julgamento, deixar para mãos habilitadas a tradução de todos os milhares de artigos científicos aos cardápios do dia era crucial.
Conhecer a ti mesmo… aprofundar-se em si, conhecer os outros que nos habitam…buscar nossas causas e os relacionamento, vínculos dos sentimentos mais pejorativos e os alimentos, deixar de assumir mais um papel estressante além do de ser paciente, eliminar a tortura de novas informações, permitir a transcrição destas por profissionais, medidas que aliviam uma carga enorme de ansiedade e trazem clareza, liberam espaço para novas pensamentos e novas ações, ou seja, permitem espaço para a cura surgir em si e fluir de dentro.
Criamos uma nova forma de encarar aquele momento, a alimentação sob a perspectiva de que o mundo e as doenças não giram em torno das refeições perfeitas, quebramos alguns demônios à mesa, vasculhamos o que mora em nós, criamos a organização quanto ao próprio tempo, sobre as tarefas diárias, a importância de si mesmo, a destravamos o tempo de lazer, o tempo de descansar, o tempo de falar e de comer. Usamos informações e nutrientes, mas a presença, o sentir, pensar, tomar consciência, experimentar o prazer, a calma e tranquilidade à mesa traziam mais benefícios para os cuidados do doente.
Neste contexto, e em resposta genérica à maioria das perguntas, a alimentação foi deixada de lado para dar luz ao lado mais humano do ato de se alimentar, a psiquê nutricional.
REPROCESSAMENTO DAS EMOÇÕES, TRANSTORNOS DE ANSIEDADE E COMPULSÃO ALIMENTAR
Dra. Andrea Alterio é nutricionista, psicanalista, terapeuta TRG e homeopata, especialista em nutrição clínica – funcional e dietoterapia chinesa (e mais 7 especializações na área da saúde: transtornos alimentares, comportamento, emagrecimento e obesidade, câncer, bioquímica médica entre outras), com mestrado em nutrição humana e comportamental, psicanálise clínica, reprocessamento generativo e homeopatia.
Possui formações no Brasil e Itália em práticas integrativas (fito e aromaterapia) em saúde.
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Andrea de Almeida Alterio